TOLSTÓI

É bastante sintomático que o ensaio biográfico de Stefan Zweig sobre Leon Tolstói seja iniciado pela comparação entre o escritor russo e o Jó bíblico. Ambos nasceram em famílias de posses, eram ricos, bem-sucedidos — cada qual em sua área —, formaram belas famílias. E, subitamente, sem que soubessem o motivo, viram a vida ruir com estrepitosa violência.

A descrição que Zweig faz do abismo existencial em que Tolstói mergulhou aos 54 anos é impressionante. São páginas literárias de tamanha força que somos tentados a acreditar que ele próprio havia experimentado coisa semelhante — embora talvez em menor intensidade. A opção por iniciar o livro com a análise da crise do autor russo também indica que não estamos diante de uma biografia convencional. Deixando de lado a cronologia dos fatos, Zweig descreve Tolstói por meio de aproximações sucessivas. Assim, somos apresentados ao artista, ao homem sensual, ao moralista precoce, ao homem atormentado, ao pai de família burguês, ao filantropo, ao pensador cristão, ao analista social, até chegarmos, nas palavras de Zweig, a “esse puro-sangue, personalidade que só é plenamente preenchida quando inundada e capaz de inundar”.
É, portanto, um ensaio biográfico vigoroso escrito por alguém que foi profundamente afetado pela obra de Tolstói.